Seguia
eu, não tão confortavelmente sentado em um leito de ônibus. Já era
noite, e o veículo ia por uma estrada molhada, com nuvens carregadas a
vagar no céu. Eu, para espantar um pouco do tédio do que seria uma longa
viagem, tentava sintonizar alguma rádio no meu aparelho celular, missão
que se revelou um tanto quanto difícil, pela locomoção constante e
consequente perda do sinal. Enfim, uma sono
ridade
me agrada: era uma moda de viola, que tocava em alguma das estações.
Fiquei a escutar, sentindo no fundo da alma as sofridas mágoas dos
caipiras cantadores, e suas desilusões amorosas. De repente, de meus
fones começam a sair efeitos sonoros que sugerem suspense, e uma voz
começa a me perguntar se eu estava com problemas, se eu achava que nada
tinha solução - e eu assentindo. Então o locutor, com sua fala grave,
sugere que um certo Padre Miguel Arcanjo resolverá minhas mazelas, com
seus grandes poderes, sendo ele descrito como um exorcista, vidente e
carismático. Não pensem que mudei de estação: aquilo atiçava demais
minha curiosidade. Após mais algumas promessas milagrosas, uma ouvinte
começa a relatar seus problemas: ela não consegue amar ninguém, só se
envolve com homens por sexo, e quando copula uma vez, não quer mais ver o
rapaz em sua frente. O padre, então, com suas dádivas visionárias, diz
que vai curá-la desse mal, sugerindo que, em cima da cabeça da ouvinte,
se encontram sete meninas de Exú, que estão a forçá-la aos caminhos do
pecado. O poderoso ser promete, então, que através de rezas e de um
possível encontro em pessoa, irá resolver o mal que aflige a pobre moça
que não ama. A rádio, então, volta a programação normal. Ouço mais uma
ou duas músicas penosas à viola, e logo meus fones começam a chiar.
Seria uma longa viagem.