sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Disfonia

Não sou muito bom
com as palavras.
Elas, no entanto,
são piores ainda comigo.

Aonde buscar um abrigo?
Em liquidas glossolalias .
folhas grisalhas,
escombro amigo?

Deixo que o tempo me valha
apoiado em pá que lavra.
Retira a terra que cobre
cacofonias banhadas em ouro.

Que formam sentidos ocultos,
só as tripas, sem coração.
Desencontradas gramáticas
rugindo a fala do leão.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

A seiva dos cabos de fibra ótica

"Eis que velhas portas reabrem, tornando-se novas. Como as dos loucos que escutam a estática nos rádios, e acham ali mais sabedoria do que qualquer ser humano possa ter comunicado sob qualquer forma. Das que escondem mulheres hackers bruxas queimando em fogueiras de código binário. Já não estou aqui. Rizomas de fungos e cabos espalham, trazendo e levando, o planeta-informação, que é tudo. Eis que novas portas se abrem, e tornam-se tudo, porque o tempo é uma coisa só. E conexões precisam ser feitas. Dos caldeirões marcados com olhos-símbolos egípcios que fervem os zeros e os uns, dos processos que inventam e reinventam softwares criadores da Grande Arte, do Hardware-Pedra Filosofal. Entidades cibernéticas evocadas ao centro de uma sala rodeada por computadores, símbolos alquímicos, velas, cabos USB. Antenas trazendo sons longínquos, Roda do Darma wireless espalhando conhecimento cyberespiritual para as formas de consciência materiais ou não, do plano sutil, analógicas ou digitais. Atabaques sampleados e cânticos entoados por vocoders embalam rituais de conexões intermodais de nossos umbigos, via cabos submarinos, uns com os outros, e todos com o centro da Terra, com as florestas, os peixes, tudo mais. E a transmissão-recepção intergaláctica propõe trocas de sabedorias entre seres quânticos, diferentes dimensões mescladas compartilhadas por interfaces em forma de monitores em nossas câmeras-olhos. Das camadas mais distantes, de volta ao átrio, ao centro pulsante de electromagnetismo. Sinto alívio, me deito, e meus olhos agora são... prateados."

domingo, 14 de setembro de 2014

E

Gotas de cima, de baixo, de lado, de outro

rebentando

Gotas
cada uma
e seus respingos
no chão
folhas

proliferação       comunicação subterrânea

Folhas
cada uma
e seus respingos
no chão
almas

renascendo

Almas de cima, de baixo, de lado, de outro


terça-feira, 2 de setembro de 2014

Elucubrações de um não-tão-bêbado

Porque eu não estava ali. Eu estava em outro lugar. Sentado naquele banco, rodeado daquelas pessoas, mas não era lá o lugar em que eu me encontrava. Porque eu sempre estou em outro lugar. E é mesmo até fora de mim. Buscando alguma fuga em embriaguez qualquer, mas a fuga já está em mim. Ando pelas calçadas em ambiente onírico. Minhas memórias se confundem com os sonhos, e na verdade ficam elas por elas, as coisas vividas e sonhadas, todas se misturam, e de vez em quando eu me perco de qual é qual. Eu sonho com ela, até hoje. Ela mesmo nem deve sonhar comigo, nem sei se lembra de mim. Eu lembro dela, todos os dias. Porque foi com ela que eu aprendi a sair de mim, e, paradoxalmente, a ser mais quem sou. Porque foi ela quem me mostrou que eu era alguém, talvez tenha sido a primeira pessoa a me dar amor, de uma forma que nunca sonhei ter. Mas ela já passou, está marcada, nunca saiu, talvez nunca saia de mim, mas passou. Sonhei com outras no caminho, vivi coisas com essas algumas vezes também. Mas, no fim, o que restou fui eu. E eu não estava ali. Eu estava em outro lugar. Porque parece que no fim sou sempre eu. É o que resta. Mas eu já fugi de mim, fui andar e me deixei de canto, fiquei do outro lado da rua me olhando, acenei uma despedida. Tanta coisa interessante acontece, mas o que sobra? Todo mundo sempre parece ter alguém. E pra mim? Em outros tempos, não havia nada que se oferecesse a mim, passou a ter, e eu sempre dou um jeito de driblar, de esquecer. Por fim, esqueço de mim. E tudo se forma em fragmentos, tudo se torna pequenos pedaços de desgosto ou alegria, mínimas sensações de deleite ou de feia forma bizarra, rosto macabro sorrindo tristeza em um espelho. Como andar em uma rua, e visualizar o próximo ponto a se parar, naquela esquina, de onde vem um cheiro bom. E quando se chega lá, o aroma já se foi, você já se foi, as luzes dos postes do caminho percorrido se apagaram, e as da frente nunca se acenderam. O Absurdo. A falta total de sentido das coisas, e, pior, a necessidade incessante da busca desse sentido. Mas não há. E o que resta são desejos falhos, planos fugazes que dão e passam, passos errantes, esquecimento, visualização de potencialidades desperdiçadas. E pra onde se vai? Parecendo ver todas as pessoas fazendo sentido, trilhando caminhos, e você sem uma lanterna, sem qualquer bússola. Somos da mesma espécie, certo? Então como posso andar ao lado dos meus irmãos e irmãs sem que ninguém compreenda o mínimo que passa em minha cabeça. E mesmo quando há empatia, não há solução. Sentar num sofá, e tanger as cordas de um violão, e entrar em transe. Tudo aquilo, todo aquele nonsense existencial vai continuar, está no passado e está no futuro. No entanto há aquele momento de entrega, de suspensão do tempo e do espaço, onde somente o som, mesmo que seja de poucas notas, um acorde, um ritmo simples, parece hipnotizar e te levar para fora daquele lugar, o qual você não faz a mínima ideia de onde é. Uma garrafa de vinho parece uma solução momentânea. Mas, no dia seguinte, tudo vai voltar. Todo o desespero e a cegueira, toda a solidão. E não serão mil garrafas que poderão calar todas essas coisas. Porque nunca é o bastante, nada nunca é o bastante. E o que dói é justamente ter que procurar o bastante, e não se dar por satisfeito com o que já está dado, para que o que já é seja o que basta. E também nunca saber o que é! Talvez se eu tivesse alguém ao meu lado, talvez se eu tivesse algum caminho claro traçado em minha vida. E essa obrigação de saber o que se quer, em meio a tanto absurdo. Eu não pensaria, se pudesse, eu me calaria, aceitaria tudo que me foi imposto de fora, me negaria, porque seria mais fácil. Sim, menos verdadeiro, menos vida, porém mais fácil. Talvez eu só precise de uma boa noite de sono. Talvez eu não devesse esperar um elixir, uma panaceia, talvez eu não devesse me sentir como alguém que, ao contrário dos satisfeitos, estivesse mais preparado para quando o apocalipse rompesse. E toda aquela sensação de desespero de uma súbita dor de barriga na madrugada, que te faz acordar suando frio e pensar que seu dia seguinte está acabado, que será todo dor, talvez isso não precise se repetir sem que realmente haja um desconforto intestinal. A sensação de um destino marcado, de uma existência crucificada, um fatalismo sem fundamento algum, meros queixumes e devaneios de fantasmas do passado que seriam facilmente tratados por especialistas, pagos em algumas vezes sem juros. Não! É preciso se desapegar profundamente do ego para aceitar que essas coisas todas estão, não são. Porque estar é tão mais raso, tão menos verdadeiro do que ser. Então isso pode me causar algum conforto, pensar que tudo isso é momentâneo, que eu não deveria me apegar a nenhuma dessas dores, que minhas células mudarão, e eu serei outro em uma questão de horas, dias, anos. Mas o presente é quem sufoca, pois é ele quem está aqui, e não conheço o futuro tão bem assim, o passado é um amigo distante do qual guardo alguns rancores e prefiro que a máxima relação que eu tenha com ele é mandar uma carta, flores ou vinho uma vez por ano. Se eu pudesse me prender no momento de um sorriso... Mas não posso. Tenho que olhar para as coisas como elas são. E não faço ideia de como elas são. E mergulho nesse paradoxo, e ele é tudo o que tenho, é o que foi, o que me resta, e talvez até o que será. Digo talvez porque o futuro é sempre uma possibilidade. Por mais sombrias que sejam as nuvens que encobrem minha visão das estrelas do que virá, não posso afirmar que o que virá é algo de muito ruim. Porque as coisas mudam. Mudaram muito, continuam a mudar. Mesmo com essa pesada presença da melancolia, reinando sobre uma rebelde e mal organizada esperança que brota, provavelmente de uma necessidade muito básica de continuar, o próprio instinto de manter-se vivo. Estou confuso, a escrever bobagens, mas creio que há algum sentido nisso. E penso em alguém lendo o que escrevi, e me julgando tolo, imaturo. Que seja. Porque me cansei de ter que explicar que essa coisa toda vem de um processo muito complexo, que nada disso é leviano, mera tristeza reminiscente de adolescências. Não, isso tudo é algo muito real, pulsante e, sim, de alguma maneira, é uma sabedoria. Porque a dor é, sim, uma grande escola. Porque é da confusão, dessa aparente desordem desses sentimentos, sensações, lembranças cruzadas, daí extrairei alguma raiz quadrada, aí encontrarei qualquer sentido. E se não encontrar, ganharei algum tipo de força, algo que me manterá vivo, pois é a energia vital quem segue, quem pede ajuda para continuar na caminhada, quem procura uma luz para se misturar com o mundo e seguir a sequência das vidas.      

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Diálogo 26 de agosto de 2014

-... que tem a ver com esse lance sobre uma nova dimensão política que essa coisa toda do ocultismo e tal assume, nessa época né, que as pessoas têm acesso a isso sem precisar, assim, da figura de um mestre, ou um centro, essas coisas...
- sim, sim...
- ...
- Cara, ultimamente eu tenho cada vez mais sentido raiva das pessoas, de determinados comportamentos que elas assumem, em determinadas situações e tal.
- Sei qual é...
- Tipo, e eu acabo não sabendo como lidar com isso saca? Como poder romper, ou conviver com certas coisas, não sei bem...
- É, acho que a maioria das pessoas...
- ... acabo indo pra casa frustrado com várias paradas que acontecem sabe? E eu poderia apontar: "Fulano, você tá fazendo isso e isso, e..."
- Cara, acho que a coisa passa muito pelo fato de que a maioria das pessoas não está preparada para ouvir certas críticas, pra...
- Sei como é...
- ... tipo, tem esse lance da persona e tal...
- Como assim?
- Velho, a persona é algo que as pessoas assumem no cotidiano, nos lugares sociais, em determinadas situações... tipo uma máscara... por exemplo, você é um professor de ensino fundamental, e aí acontece que você, sei lá, gosta de sadomasoquismo, tem tendências suicidas ou qualquer porra dessas... e simplesmente não rola de você colocar isso - que no fundo é o que você de fato é, o seu interior mais "verdadeiro", digamos - nesse ambiente... aí você assume uma postura, uma máscara, um personagem adaptado àquela situação ... e, assim, meio que as pessoas fazem isso, ou melhor, são assim, a todo o tempo e em todo lugar...
- Saquei. É como se fossemos todos meio que atores, agindo de acordo com as regras - mesmo que não escritas - o código de comportamento de um determinado lugar.
- Exato, e você nem precisa pensar só em local de trabalho essas coisas... em seu círculo de amizades, porra, família, qualquer lugar... E aí que tá: quando você, digamos, começa a apontar de maneira muito sincera o que você pensa sobre outra pessoa, que é o que você realmente acha que está no mais íntimo, nas mais puras intenções dela, e que acaba expondo seu íntimo também, você quebra essas máscaras, e pô, isso é muito complicado...
- Então de repente o ideal é que as pessoas em geral passem por um processo de certa reconstrução cultural, no sentido de que a sociedade passe a permitir, sei lá, que uma nova cultura permita o comportamento cada vez mais autêntico das pessoas.
- Cara, mas ... como assim? Não, então... Isso é complicado também. Porque...
- ... e tipo, por exemplo, no caso o professor ir se inserindo cada vez mais com sua subjetividade, digamos, no que ele fala pros alunos e tal...
- ... entendo o que você tá querendo dizer, mas não sei se é bem esse o ponto. Na real, acho que esse rompimento é complicado porque, se for pensar, o ambiente social meio que depende disso, dessas máscaras, pra evitar conflitos. É preciso que a pessoa se anule de alguma forma pra poder se inserir num ambiente social. Sei lá, imagina que tem lá um cara que é, pô, assassino, e aí ele frequenta almoços de família aos domingos, e cara, é necessário que ele mantenha o anonimato de quem ele realmente é, porque senão aquele ambiente não vai se sustentar. Além disso, tem todo um equilíbrio energético psíquico também, que seria afetado, vamos supor, expondo as contradições das pessoas e tal... A pessoa passa uma parte muito grande da vida "investindo" naquela persona, naquela máscara, e a mente dela, na distribuição de energia pra funções psíquicas, tem um equilíbrio que depende de que essa quantidade de energia "x" continue sendo aplicada àquela função mental ...ou seja, nego ia surtar, ia dar merda na porra toda... hahaha
- Heheheh... mas, pô... então o que você tá dizendo é que todo mundo então deve se recolher à sua insignificância, tipo, deixar de ser quem realmente se é pra poder manter uma cultura cuja própria base de sustentação é a negação da individualidade?
- Não, é... não é bem uma cultura, são várias escalas... bom, na verdade não seria bem esse o ponto, mas é... você tá dizendo... talvez no fundo então sejamos todos, no nosso íntimo, pessoas totalmente inadaptadas a conviver com outras pessoas... e que se a gente fosse a gente mesmo, ia ser, porra, barbárie total... hahahah, aí é foda...
- Heheh, pois é... vixe, olha quem tá ali.
- Po... então, é uma das pessoas...
- É, é uma delas...
- Haha, falamos e não chegamos em nada.
- Ah, não é bem assim... bom...
- Velho, tô chegando nessa
- Vai partir?
- Oh yeah
- Demorou. Valeu cara, amanhã a gente troca uma ideia.
- Inté!

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Liberdade e coragem de sermos nós mesmos

"Visto que não se é capaz de evitar má companhia, não se deve iludir; deve-se ver a insinceridade por trás da máscara da amizade, a destrutividade por trás da máscara das eternas lamentações sobre sua infelicidade, o narcisismo por trás de seu charme. As pessoas também não devem agir como se tivessem sido levadas por sua aparência ilusória a fim de evitar serem forçadas a uma certa desonestidade consigo mesmas. Elas não precisam falar sobre o que vêem, mas também não têm que tentar convencer os outros de que são cegas.
Se outras pessoas não entendem nosso comportamento, e daí? Sua solicitação de que devemos fazer só o que elas acham é uma tentativa de nos dar ordens. Se isso é ser "associal" ou "irracional" aos olhos delas, que seja. Elas se ressentem principalmente da nossa liberdade e de nossa coragem de sermos nós mesmos. Nós não devemos explicação ou justificativa a pessoa alguma, contanto que nossos atos não a prejudiquem ou a violem. Quantas vidas não foram arruinadas por essa necessidade de "explicação", que habitualmente sugere que a explicação é "entendida", por exemplo, sancionada. Deixe que seus atos sejam julgados, e deles, saltem as reais intenções, mas saiba que uma pessoa livre deve explicação só a si mesma, à sua razão e consciência e, para os poucos que possam ter alegações justificadas de tal explicação."

Erich Fromm, em "Do Ter ao Ser"

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Ao redor

Dou de cara no muro
Uma, duas, três vezes
E o furo da memória, que vaza

É só a chuva lá fora
Antes fosse, antes seja
E quase nada mais

Voltei de viagem ainda agora
Já estive nesse lugar
E as horas que o ponteiro arrasta
Puxam os pés para a estrada
Que aguarda, de mãos atadas
O destino que não se cumpriu

Passos, e refaço o caminho
Tiro espinhos da sola
E quando vejo estou ainda
No agora, no agora, no agora...

Porém, silente, a chama me convém
E, além disso, já estou
Já não é mais aurora
Da noite quero um beijo
Que é senhora vagando
E, como eu, a rasgar
Folha após folha
As saudades desenhadas

Faço por desdenhar do que me agrada
Me distancio, corro e pulo
Na vontade que aguarda meu corpo
E acolhe, gelada, no verão
Estacionando os anseios
Em vagas impressões de um futuro

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Dos solitários

Os solitários não são, necessariamente, infelizes. Muitas vezes, inclusive, ocorre justamente o contrário. Têm um vasto mundo à sua disposição. Se inundam com riquezas de suas próprias hortas, e com as colheitas feitas por outras almas, disponíveis em forma de livros, discos, pinturas, ideias. Têm, frequentemente, alguma habilidade como o domínio de um instrumento musical, ou de técnicas artísticas das mais variadas, para que possam, mais do que passar o tempo, dar vazão a pensamentos e sentimentos, entrar em estado meditativo, disciplinar corpo e mente. Não deixam, claro, de se relacionar com pessoas, mas somente na medida em que o universo delas não entre em conflito com o seu a ponto de arriscar anulá-lo. Gostam bastante, inclusive, de conversar, mas preferem papos a dois, onde podem explorar o universo de seu interlocutor, com a clareza e a sinceridade dificilmente obtidas em um encontro social a três ou mais. Podem apreciar, em maior ou menor grau, o contato contemplativo com a natureza - praias, florestas, mirantes - onde sentem alívio, êxtase, e maior abertura mental/espiritual para expandir a capacidade de ver as coisas como elas são. Suas ideias e criações inundam o mundo, pegam e arrebatam os espíritos mais sensíveis, alteram percepções, abrem janelas. Portanto, caso veja uma pessoa sozinha em um parque, possivelmente com um caderno ou livro em mãos, com o olhar perdido, aparentemente apático e desocupado, não se engane: pense que esse indivíduo pode ser um desses seres, a desconstruir e reinventar todo um universo.  

domingo, 6 de julho de 2014

Noite em vermelho

Creio que eu me perderia. Aliás, já me perdi. Então... adeus! Espere, voltei. Recomeçar... do começo.. 1, 2 e 3 também... Aonde estou agora? Para que lugares minha mente escapou? Sei que vi uma linda luz vermelha moldando suavemente o ambiente, jogando seus brilhos através da linda luminária de vidro, para cima, para baixo, e para dentro. Sei que cavalguei meus dedos sobre as cordas, sentindo o honesto som do pinho, ressoando, ecoando em minha mente, e um segundo nome para a Liberdade, eu inventei, eu vislumbrei, mesmo que por alguns instantes, ali. Remédio para a alma. Eu pedi Força, pedi Clareza, pedi Sabedoria para distinguir os meus caminhos, pedi Iluminação aos meus irmãos e irmãs. Pedi paz, pedi amor, pedi discernimento, pedi mais. Mas também agradeci, pois é importante agradecer. Piso firme em meu chão, com minha mente devidamente alojada no infinito do espaço, e é por isso que agradeço. Agradeço ao alimento que posso comer, a casa em que posso descansar, procurar abrigo, me banhar, me aninhar. Abençoei - e com que força - as iluminadas pessoas que encontraram com os deuses, dançaram ao redor das galáxias, voltaram e traduziram em MÚSICA aquilo que por lá sentiram, viram, viveram. Repousei minha cabeça sobre um macio e confortável travesseiro feito de nuvens, das mais tenras, do algodão mais nobre, coberto pelo tecido mais elaborado, feito com todo o esmero, com todo o cuidado, com toda sabedoria. Assisti atônito à beleza do dançar de minhas mãos, devidamente iluminadas pela rúbea clareza que emanava do lustre. Quanta harmonia, quanta sabedoria, havia ali! No entrelaçar e desentrelaçar de meus dedos, em sua dança, vi todo o universo. As junções e as separações, os vazios e os cheios, tudo, ali, apenas vendo minhas mãos dançarem. Quantas ideias tive, quanta vontade de fazer coisas, de conhecer, de explorar, de respirar os diversos aromas que esse vasto mundo oferece tão generosamente. Não esqueci, claro, da dor. Sim, ela está aí, e tem seu lugar. E procurei - e pedi - sabedoria, justamente para não ignorá-la, mas para saber que ela tem seu lugar, e não deixar que ela invada outros lugares, que não tem nada que ver com ela, aonde ela viraria apenas uma parasita, se alimentando em mesa que não deve. Pensei em todas as pessoas que amo, e o quanto eu tenho que melhorar meu amor, torná-lo mais sábio, saber quando ir e quando voltar, quando falar e quando silenciar. Poderia dizer muito mais, mas acho melhor ter um pouco desse agridoce sabor de deixar o dito pelo não-dito, essa luz escapando da fresta, que dá vontade de olhar pra ver o que tem dentro, mas é gostoso demais saborear o mistério. Sim, o Mistério. Não se engane, ele está lá. Naquele devaneio entre uma colherada e outra, naquele sonho do qual você não se lembra muito bem ao acordar, naquela súbita sensação de ter decifrado um intrincado código do universo durante uma caminhada pela cidade. E, para deixar assim, com sabor de quero-mais, me despeço, sempre com uma canção no coração. PAZ. 

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Sem nome ou Uni Versos

Espiando a lua cheia
E as esparsas nuvens
Que dançavam logo abaixo
Com suas formas vagas
E cores transformadas
Pelo brilho do satélite
Naquela transparência
Pude observar
Todo o universo

domingo, 6 de abril de 2014

Presença

Venus brilhava forte no céu. De repente, cessaram os violões e tambores. Um silêncio de respeito e veneração se fez, e então somente as vozes entoaram seu canto. Com o clamor, Oxum se fez presente. Era possível sentir sua presença e, ao fechar os olhos, ela dançava em águas, iluminando de azul as mais doces visões. Como uma mãe, embalando nosso sono de criança. Esmeralda fina, abençoando os presentes. Então os cânticos cessaram, e novamente a quietude, já plena de bênção, se instaurou. Talvez que ela tenha ficado para a festa, talvez que tenha saído. Mas esteve ali, agraciando com sua grandiosa presença. Aiêê Mamãe Oxum...

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Sobre o Som


"Não há som sem pausa. O tímpano auditivo entraria em espasmo. O som é presença e ausência,e está, por menos que isso apareça, permeado de silêncio. Há tantos ou mais silêncios quantos sons no som, e por isso se pode dizer, com John Cage, que 'nenhum som teme o silêncio que o extingue. Mas também, de maneira reversa, há sempre som dentro do silêncio: mesmo quando não ouvimos os barulhos do mundo, fechados numa cabine à prova de som, ouvimos o barulhismo do nosso próprio corpo produtor/receptor de ruídos (refiro-me à experiência de John Cage, que se tornou a seu modo um marco na música contemporânea, e que diz que, isolados experimentalmente de todo ruído externo, escutamos no mínimo o som grave da nossa pulsação sanguínea e o agudo do nosso sistema nervoso).
O mundo se apresenta suficientemente espaçado (quanto mais nos aproximamos de suas texturas mínimas) para estar sempre vazado de vazios, e concreto de sobra para nunca deixar de provocar barulho."

Zé Miguel Wisnik, em "O Som e o Sentido"

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

A motoserra e o trovão

Aqui nesta cidade, na rua ao lado, estão cortando uma árvore com uma motoserra. Ao acordar assustado com o incômodo ruído produzido por tal ato, e após recuperar um pouco as faculdades mentais do estado de vigília, começo a pensar no simbolismo que o fato carrega. O barulho é quase insuportável, sobretudo para os ouvidos mais sensíveis. É a própria definição de poluição sonora. Alguém sobe em uma plataforma, escada, ou na própria planta, com um objeto altamente cortante, movido a combustível, corta seus grossos galhos, e nesse gesto são produzidos os tais ruídos. Talvez seja mesmo necessário: a árvore poderia estar velha, e a queda de uma parte sua poderia ferir gravemente um transeunte; ou ainda, a mesma poderia se enroscar na rede elétrica, causando um curto-circuito, ou algo similar. Porém, o que se pretende enfatizar aqui é a carga simbólica que esta ação carrega em si, não necessariamente como uma crítica urbanista de teor ecológico, ou como denúncia, mas sobretudo como uma despretensiosa apreciação estética. Para dizer o óbvio, a motoserra cortando a árvore representa o triunfo do ser humano sobre a natureza. Uma ferramenta desenvolvida, que numa sequência evolutiva remete desde itens rudimentares feitos de pedra ou ossos para cortar objetos, passando pela serra manual, e aqui chegando, poderosa, cortando até mesmo os mais espessos galhos, até o tronco se necessário, de uma frondosa planta. Mesmo tendo esta algo de grandioso, de imponente, seja por seu tamanho, pelo brilho radiante de suas lindas folhas verdes à luz do sol, tudo isso não é páreo para um objeto relativamente pequeno, que pode reduzir a árvore a pedaços em questão de horas, desfazendo, neste curto tempo, tudo o que aquela fez em, sabe-se lá, talvez uma centena de anos. O ritmo da cidade, dos transeuntes, fios elétricos, postes, carros, prédios, se impõe perante os passarinhos e seus ninhos, os saguis que vão se pendurando de galho em galho, gritando, os morcegos que sobrevoam em sua busca noturna por algum fruto. E aí, o que era tronco, galhos, folhas, se transforma em lenha, madeira, lixo. Os garis varrerão, sob o sol, os restos da planta de quem, sob sua sombra, antes varriam somente as folhas. Mas, voltemos ao som. Aquele penetrante, agudo, volumoso barulho produzido pelo ato do corte. Aquele grito estridente e sofrido de amputação, o choro final da perda da vida. Mas, além de ser um sofrimento, de parte da planta, também é o estrondoso brado do triunfo da máquina, ostentando sua vitória aos quatro cantos. Pois o farfalhar das folhas ao vento, e mesmo o canto dos passarinhos, saguis, e outros bichos que frequentam a árvore, não é nada se comparado ao retumbante ruído do metal violando a madeira. É o hino entoado pela vitória, sem ao menos precisar chegar ao fim da partida, gritos de quem já tem o jogo ganho. Mas me ocorre, ao tentar imaginar algo mais sonoramente potente de qualquer coisa que possa ser produzida pela mão humana, ou pelo menos equivalente, de lembrar do trovão. Esse belo e imponente elemento da natureza, faceta sonora da descarga elétrica do raio, contém grande poder. Pode se ouvir seu soberbo retumbar alto e claro a grandes distâncias do ponto em que ocorre, enquanto o relâmpago clareia o escuro céu. Quantas poderosas divindades ao redor do mundo, nas mais variadas culturas, não tem como privilégio o domínio dos raios? E estes, em apenas um piscar de olhos do céu, podem derrubar e incendiar aquela mesma árvore sendo cortada pela motoserra. Aí, a próxima coisa a se pensar é no para-raios. Uma genial invenção humana que previne os efeitos destrutivos dessas descargas elétricas celestes. Porém, restritamente em relação ao som, ou seja, ao trovão, nada pode ser feito, ao menos por enquanto. Por aqui, não chove há algum tempo. Contudo, aguardo ansiosamente pela chegada dessa poderosa música celeste.                  

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Além

negros pântanos, e fumaça
e além daquilo, há o sol

pontes quebradas, não se passa
e além daquilo, há o sol

os passos seguem
um após o outro
como há de ser

e depois
o sol

haja o que houver