segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Passeio privado e público

Entrando pelos arbustos que estão ao lado daquela casa marrom, na rua 13, entra-se no espaço proibido. Os vizinhos, ao verem os jovens chegando, recriminam, receosos, a entrada naquele lugar secreto, cochichando entre portões a atitude contestadora, estúpida, da exploração do que não deve ser contemplado. Mas o sangue, que corre curioso por entre as inexploradas veias da inquietude da juventude, inflama o desejo do inexplorado, do marginal, daquilo que parece a liberdade. Lá, onde a luz explode em infinitos feixes, fragmentos de cores excitam a sensibilidade e a imaginação. Onde se brinca com a plasticidade do sensorial, expandindo fronteiras para até onde seus limites o permitem. Lá, onde a máquina burocrata, que a todos engole, não entra.
No maravilhoso jardim, onírica permanência no estado desperto, o grupo aperta os cintos para ir além dos painéis luminosos que os hipnotizam, penetrando sua própria natureza, usando-os a seu bel prazer. O mergulho na consciência sensorial é profundo, mas ela ainda é apenas o raso. A interiorização se completa em estágios mais avançados, para além das ondas que ainda podem ser usadas para a criação da consensual dominação do aparato do ser.

Mergulho profundo... o mar a dissolver.

De onde vem essas estacas metálicas a perfurar o macio solo, a profanar o bendito pródigo, a desfazer o cimento sólido de nossas massas cinzentas? O barulho de plástico borbulhante derretendo alcança as margens do concreto, incitando a insegurança em nossas almas tão frescas, prontas para serem embaladas. Apesar deles, conseguimos alcançar a porta de onde vinha aquele suave som das estrelas a piscar. Um passo adentro e já não há mais depois. O vermelho fluido das vias ganha corpo em avenidas onde caminhamos por sobre a água. Corremos, então, e o olhar ultrapassa a si mesmo, os pontos de luz agora virando feixes contínuos que rapidamente se contraem e se expandem perante um perplexo perceber. Comemos as galáxias no café da manhã, e regurgitamos todo o universo, no jantar do dia anterior. Irreprimível manifestação em passeio pela coletividade subjetiva. Transubstanciação. Explosão. Depois, silêncio por algum tempo.

Rápidas braçadas... de volta à superfície.

Do lado de cá do espelho, uma intensa chuva cai e atinge os ossos de nossas ruas desgastadas. Alertas, os mergulhadores saem da zona proibida, vendo tudo com os olhos de quem esteve do outro lado. Passo a passo, os adormecidos se entrecruzam, enquanto os despertos se entreolham, indagando mutuamente: o quê fazer? Desligar. Desconectar todos os fios da doença generalizada espalhada pelos conectores das poluídas entidades. Quando começar: talvez agora mesmo. Hoje, a cidade não vai dormir tão cedo.


sábado, 27 de agosto de 2011

Das coisas frágeis

"Enquanto escrevo isto, me ocorre que a peculiaridade da maioria das coisas que consideramos frágeis é o modo como elas são, na verdade, fortes. Havia truques que fazíamos com ovos, quando crianças, para demonstrar que eles são, apesar de não nos darmos conta disso, pequenos salões de mármore capazes de suportar grandes pressões, e muitos dizem que o bater de asas de uma borboleta no lugar certo pode criar um furacão do outro lado de um oceano. Corações podem ser partidos, mas o coração é o mais forte dos músculos, capaz de pulsar durante toda a vida, setenta vezes por minuto, não falhando quase nunca. Até os sonhos, que são as coisas mais intangíveis e delicadas, podem se mostrar incrivelmente difíceis de matar.
Histórias, assim como pessoas, borboletas, ovos de aves canoras, corações humanos e sonhos, também são coisas frágeis, feitas de nada mais forte ou duradouro do que 26 letras e um punhado de sinais de pontuação. Ou então são palavras no ar, compostas de sonhos e idéias - abstratas, invisíveis, sumindo no momento em que são pronunciadas -, e o que poderia ser mas frágil que isso? Mas algumas histórias, pequenas, simples, sobre gente embarcando em aventuras ou realizando maravilhas, contos de milagres e de monstros, perduram mais do que todas as pessoas que a contaram, e algumas perduram mais do que as próprias terras onde elas foram criadas."

Neil Gaiman, na introdução do livro de contos "Coisas Frágeis"