terça-feira, 22 de junho de 2010

Desabafo

É um desabafo simples e inocente. Não chega nem a ser isso.

Mas ...como eu gostaria. Eu queria muito que houvessem reuniões mensais, quinzenais ou semanais, juntando um pessoal afim de ouvir uma música de boa qualidade, beber umas cervejas pra quem bebe, fumar uns cigarros pra quem fuma, e ficar apreciando canções, uma a uma. Que cada um fizesse comentários, com o cérebro ou com a alma, sobre a melodia, o arranjo, a harmonia, o timbre, a gravação mal feita, qualquer coisa. E que ficássemos ali, bebendo aquele doce mel das notas e acordes, cantos e ritmos daqueles sons de quaisquer que fossem as caixas. Ouvindo e compartilhando impressões, se emocionando individual ou coletivamente. Despretensiosamente. Sem objetivo nenhum que não a pureza, que não a amizade, que não o amor, que não a música, que não o prazer. Ah, como eu queria. Onde estão vocês ?

quarta-feira, 9 de junho de 2010

O sorriso do bêbado

E então o bêbado deitado no chão sujo, no meio da praça central daquela pequena cidade no coração ou no intestino do Brasil, esboça um sorriso desdentado. E logo depois dá uma gargalhada. Aquele olhar brilhante, embriagado, sem direção, completa o sorriso sem sentido, e com todo o sentido do mundo.
Uma expressão cheia de saudades, e carregada de pesada ironia. Como se aquele bêbado imundo jogado no chão fosse a alegoria de toda a condição humana.
Deve ter vivido o diabo, aquele senhor. Deve ter visto o que quis e o que não quis. Deve ter vivido enclausurado num dia, e com toda a liberdade de um pássaro num outro momento.
HAHAHA sua risada ri na cara de quem quer ver. Ri das pessoas que o ignoram como se ele fosse mais uma pedra daquela rua de paralelepípedo. Ri um riso louco e inocente, grito duma mente que já se esqueceu, mas de uma alma que não esquece as marcas que leva, e dum corpo quase sem luz, cujos últimos impulsos de vida provocam espasmos, vômitos e passos trôpegos pela calçada até o banco mais próximo, dormitório.
O bêbado é uma afronta aos hospitais, farmácias, metrôs e outros lugares com aquela luz branca, asséptica, que revela cada detalhe da limpeza dos que o frenquentam, mas também das sujeiras muitas. É uma afronta à beleza, uma afronta à lucidez, à razão.
Seus gestos errantes e errados estendem os membros na direção do que resta do humano bicho dentro do homem, a bunda da senhora que passa, a garrafa de água do atleta, a marmita do trabalhador e o carro-abrigo do jovem de cabelo lavado que liga o motor.