E então o bêbado deitado no chão sujo, no meio da praça central daquela pequena cidade no coração ou no intestino do Brasil, esboça um sorriso desdentado. E logo depois dá uma gargalhada. Aquele olhar brilhante, embriagado, sem direção, completa o sorriso sem sentido, e com todo o sentido do mundo.
Uma expressão cheia de saudades, e carregada de pesada ironia. Como se aquele bêbado imundo jogado no chão fosse a alegoria de toda a condição humana.
Deve ter vivido o diabo, aquele senhor. Deve ter visto o que quis e o que não quis. Deve ter vivido enclausurado num dia, e com toda a liberdade de um pássaro num outro momento.
HAHAHA sua risada ri na cara de quem quer ver. Ri das pessoas que o ignoram como se ele fosse mais uma pedra daquela rua de paralelepípedo. Ri um riso louco e inocente, grito duma mente que já se esqueceu, mas de uma alma que não esquece as marcas que leva, e dum corpo quase sem luz, cujos últimos impulsos de vida provocam espasmos, vômitos e passos trôpegos pela calçada até o banco mais próximo, dormitório.
O bêbado é uma afronta aos hospitais, farmácias, metrôs e outros lugares com aquela luz branca, asséptica, que revela cada detalhe da limpeza dos que o frenquentam, mas também das sujeiras muitas. É uma afronta à beleza, uma afronta à lucidez, à razão.
Seus gestos errantes e errados estendem os membros na direção do que resta do humano bicho dentro do homem, a bunda da senhora que passa, a garrafa de água do atleta, a marmita do trabalhador e o carro-abrigo do jovem de cabelo lavado que liga o motor.
Cara, muito bom seus textos!
ResponderExcluirContinue escrevendo.
Abração