"[...] Nessas condições, não é por nosso pessimismo que nos acusam, mas, no fundo, pela dureza de nosso otimismo. Se certas pessoas nos censuram por descrevermos seres pusilânimes, fracos, covardes, e, por vezes, francamente maus, em nossas obras de ficção, não é unicamente porque eles são pusilânimes, fracos, covardes ou maus, pois, se fizéssemos como Zola e declarássemos que eles assim são devido à hereditariedade, por influência do meio, da sociedade, por um determinismo orgânico ou psicológico, todos se tranquilizariam e diriam: aí está, somos assim e ninguém pode fazer nada; o existencialista, porém, quando descreve um covarde, afirma que esse covarde é responsável por sua covardia. Ele não é assim por ter um coração, um pulmão ou um cérebro covardes; ele não é assim devido a uma qualquer organização fisiológica; mas é assim porque se construiu como covarde mediante seus atos. Não existe temperamento covarde; existem temperamentos nervosos, existem pessoas que têm 'sangue fraco' como diz o povo, ou temperamentos ricos; mas o homem que tem sangue fraco nem por isso é um covarde, pois o que cria a covardia é o ato de renunciar ou de ceder: um temperamento não é um ato e o covarde se define pelos atos que pratica. O que as pessoas, obscuramente, sentem, e que as atemoriza, é que o covarde que nós lhes apresentamos é culpado por sua covardia. O que as pessoas querem é que nasçamos covardes ou heróis. Uma das críticas mais frequentemente feitas aos Caminhos da Liberdade pode ser formulada desse modo: 'Mas, afinal, esses seres tão fracos, como poderão ser transformados em heróis?' Tal objeção é um tanto ridícula, pois pressupõe que as pessoas nasçam heróis. E, no fundo, é isso que todos desejam pensar: se eu nasço covarde, posso viver em perfeita paz, nada posso fazer, serei covarde a vida inteira, o que quer que eu faça; se nasço herói, também viverei inteiramente tranquilo, serei herói durante a vida toda, beberei como um herói, comerei como um herói. O que o existencialista afirma é que o covarde se faz covarde, que o herói se faz herói; existe sempre, para o covarde, uma possibilidade de não mais ser covarde, e, para o herói, de deixar de o ser. O que conta é o engajamento total, e não é com um caso particular, uma ação particular, que alguém se engaja totalmente. [...]"
(Jean-Paul Sartre, em defesa do existencialismo, no texto "O existencialismo é um humanismo")
Sartre é um lindo
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