Aqui nesta cidade, na rua ao lado, estão cortando uma árvore com uma motoserra. Ao acordar assustado com o incômodo ruído produzido por tal ato, e após recuperar um pouco as faculdades mentais do estado de vigília, começo a pensar no simbolismo que o fato carrega. O barulho é quase insuportável, sobretudo para os ouvidos mais sensíveis. É a própria definição de poluição sonora. Alguém sobe em uma plataforma, escada, ou na própria planta, com um objeto altamente cortante, movido a combustível, corta seus grossos galhos, e nesse gesto são produzidos os tais ruídos. Talvez seja mesmo necessário: a árvore poderia estar velha, e a queda de uma parte sua poderia ferir gravemente um transeunte; ou ainda, a mesma poderia se enroscar na rede elétrica, causando um curto-circuito, ou algo similar. Porém, o que se pretende enfatizar aqui é a carga simbólica que esta ação carrega em si, não necessariamente como uma crítica urbanista de teor ecológico, ou como denúncia, mas sobretudo como uma despretensiosa apreciação estética. Para dizer o óbvio, a motoserra cortando a árvore representa o triunfo do ser humano sobre a natureza. Uma ferramenta desenvolvida, que numa sequência evolutiva remete desde itens rudimentares feitos de pedra ou ossos para cortar objetos, passando pela serra manual, e aqui chegando, poderosa, cortando até mesmo os mais espessos galhos, até o tronco se necessário, de uma frondosa planta. Mesmo tendo esta algo de grandioso, de imponente, seja por seu tamanho, pelo brilho radiante de suas lindas folhas verdes à luz do sol, tudo isso não é páreo para um objeto relativamente pequeno, que pode reduzir a árvore a pedaços em questão de horas, desfazendo, neste curto tempo, tudo o que aquela fez em, sabe-se lá, talvez uma centena de anos. O ritmo da cidade, dos transeuntes, fios elétricos, postes, carros, prédios, se impõe perante os passarinhos e seus ninhos, os saguis que vão se pendurando de galho em galho, gritando, os morcegos que sobrevoam em sua busca noturna por algum fruto. E aí, o que era tronco, galhos, folhas, se transforma em lenha, madeira, lixo. Os garis varrerão, sob o sol, os restos da planta de quem, sob sua sombra, antes varriam somente as folhas. Mas, voltemos ao som. Aquele penetrante, agudo, volumoso barulho produzido pelo ato do corte. Aquele grito estridente e sofrido de amputação, o choro final da perda da vida. Mas, além de ser um sofrimento, de parte da planta, também é o estrondoso brado do triunfo da máquina, ostentando sua vitória aos quatro cantos. Pois o farfalhar das folhas ao vento, e mesmo o canto dos passarinhos, saguis, e outros bichos que frequentam a árvore, não é nada se comparado ao retumbante ruído do metal violando a madeira. É o hino entoado pela vitória, sem ao menos precisar chegar ao fim da partida, gritos de quem já tem o jogo ganho. Mas me ocorre, ao tentar imaginar algo mais sonoramente potente de qualquer coisa que possa ser produzida pela mão humana, ou pelo menos equivalente, de lembrar do trovão. Esse belo e imponente elemento da natureza, faceta sonora da descarga elétrica do raio, contém grande poder. Pode se ouvir seu soberbo retumbar alto e claro a grandes distâncias do ponto em que ocorre, enquanto o relâmpago clareia o escuro céu. Quantas poderosas divindades ao redor do mundo, nas mais variadas culturas, não tem como privilégio o domínio dos raios? E estes, em apenas um piscar de olhos do céu, podem derrubar e incendiar aquela mesma árvore sendo cortada pela motoserra. Aí, a próxima coisa a se pensar é no para-raios. Uma genial invenção humana que previne os efeitos destrutivos dessas descargas elétricas celestes. Porém, restritamente em relação ao som, ou seja, ao trovão, nada pode ser feito, ao menos por enquanto. Por aqui, não chove há algum tempo. Contudo, aguardo ansiosamente pela chegada dessa poderosa música celeste.
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